Decisão Judicial nº 27.244.391, de 17 de fevereiro de 2020
(Julgado Inconstitucional) Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº 70083005348 (Nº CNJ: 0272443-91.2019.8.21.7000) 2019/CÍVEL - TJRS.
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. MUNICÍPIO DE ITAQUI. ART. 47, § 1º, DA LEI MUNICIPAL Nº 1.751/90, COM REDAÇÃO DADA PELA LEI MUNICIPAL Nº 4.405/19. DISPOSITIVO QUE TRATA DA INCORPORAÇÃO DE FUNÇÃO GRATIFICADA PELOS SERVIDORES PÚBLICOS. ESTABELECIMENTO DE NOVOS CRITÉRIOS. PROJETO DE LEI DE INICIATIVA DO PREFEITO MUNICIPAL. EMENDA PARLAMENTAR MODIFICATIVA. ALTERAÇÃO SUBSTANCIAL. VÍCIO FORMAL. OFENSA AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES. PREVISÃO DE PERCENTUAIS DIFERENTES PARA HOMENS E MULHERES. DIFERENCIAÇÃO INJUSTIFICADA. AFRONTA AO PRINCÍPIO DA ISONOMIA.
1. Projeto de lei apresentado pelo Prefeito Municipal destinado a alterar os critérios para incorporação de função gratificada pelos servidores públicos municipais. Incorporação que passa a ser proporcional ao tempo de exercício, sendo dispensado tempo mínimo.
2. Emenda parlamentar modificativa que, além de reduzir o percentual a ser acrescido à remuneração dos servidores, estabeleceu valores distintos para homens e mulheres.
3. Alteração promovida pelo Legislativo que acaba por deturpar a disciplina originalmente prevista, em clara e sensível incursão sobre o próprio mérito da decisão política tomada pelo Prefeito Municipal, que se materializou no texto do projeto de lei por ele apresentado.
4. Caracterizada ofensa aos arts. 8°, 10, 60, II, alíneas ‘a’, ‘b’ e art. 82, III, todos da Constituição Estadual, na medida em que a emenda apresentada pelo Legislativo em projeto de lei de iniciativa reservada não pode desfigurar o objeto da proposição original, modificando substancialmente o seu conteúdo, sob pena de tornar letra morta a norma constitucional que atribui ao Prefeito a iniciativa legislativa acerca da matéria em questão. Precedentes do STF e desta E. Corte.
5. Ademais, ao desigualar as frações de incorporação para homens (1/35) e mulheres (1/30), em razão apenas do gênero do servidor, o dispositivo também padece de inconstitucionalidade material, por manifesta afronta ao princípio da isonomia, consagrado no art. 5º, caput, da Constituição Federal. Ofensa ao art. 7º, inciso XXX, c/c o art. 39, § 3º, da mesma Carta, e também ao art. 29, inciso XIV, da Constituição Estadual.
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE PROCEDENTE. UNÂNIME.
Ação Direta de Inconstitucionalidade
Órgão Especial
Nº 70083005348 (Nº CNJ: 0272443-91.2019.8.21.7000)
Comarca de Porto Alegre
PREFEITO MUNICIPAL DE ITAQUI
PROPONENTE
CAMARA MUNICIPAL DE VEREADORES DE ITAQUI
REQUERIDO
PROCURADOR-GERAL DO ESTADO
INTERESSADO
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos.
Acordam os Desembargadores integrantes do Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em julgar procedente a ação direta de inconstitucionalidade.
Custas na forma da lei.
Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores Des. Voltaire de Lima Moraes (Presidente), Des. Aristides Pedroso de Albuquerque Neto, Des. Arminio José Abreu Lima da Rosa, Des. Marcelo Bandeira Pereira, Des. Sylvio Baptista Neto, Des. Rui Portanova, Des. Jorge Luís Dall'Agnol, Des. Francisco José Moesch, Des.ª Maria Isabel de Azevedo Souza, Des. Irineu Mariani, Des. Marco Aurélio Heinz, Des.ª Liselena Schifino Robles Ribeiro, Des. Luís Augusto Coelho Braga, Des.ª Iris Helena Medeiros Nogueira, Des. Tasso Caubi Soares Delabary, Des.ª Vanderlei Teresinha Tremeia Kubiak, Des. Ney Wiedemann Neto, Des. Ícaro Carvalho de Bem Osório, Des. Diógenes Vicente Hassan Ribeiro, Des.ª Lizete Andreis Sebben, Des. Sérgio Miguel Achutti Blattes, Des. Pedro Luiz Pozza, Des. Ricardo Pippi Schmidt e Des. Niwton Carpes da Silva.
Porto Alegre, 17 de fevereiro de 2020.
DES. LUIZ FELIPE BRASIL SANTOS,
Relator.
RELATÓRIO
Des. Luiz Felipe Brasil Santos (RELATOR)
Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade ajuizada pelo PREFEITO MUNICIPAL DE ITAQUI, objetivando o reconhecimento da inconstitucionalidade da redação dada pela Lei Municipal nº 4.405, de 08 de outubro de 2019, ao § 1º do art. 47 da Lei Municipal nº 1.751/90, que dispõe sobre o Regime Jurídico Único dos Servidores Municipais.
O proponente sustenta, em suma, que: (1) apresentou ao Poder Legislativo projeto de lei a fim de alterar diversas leis municipais, dentre as quais a Lei Municipal nº 1.751/90; (2) foi proposta nova redação ao § 1º do art. 47 da Lei Municipal nº 1.751/90, o qual prevê a forma de incorporação, na ativa, de Função Gratificada; (3) entretanto, a Câmara Municipal, durante o processo legislativo, aprovou emenda parlamentar, modificando a redação originalmente proposta; (4) o veto aposto pelo Prefeito Municipal foi rejeitado, tendo sido promulgada a Lei Municipal nº 4.405/2019 pelo Presidente da Câmara Municipal de Vereadores; (5) são dois os requisitos para emenda parlamentar, conforme o assentado pelo Supremo Tribunal Federal, quais sejam, não gerar aumento de despesas e guardar pertinência temática com a proposição principal; (6) embora a emenda questionada não tenha acarretado aumento de despesa, ela desfigura o conteúdo da proposição original, porquanto a forma de incorporação da função gratificada, no que se refere à sua proporcionalidade, foi alterada substancialmente pela emenda; (7) ainda, a diferença imposta quanto à aquisição proporcional de um direito funcional, a ser adquirido na atividade, em razão do sexo (1/35 para homens e 1/30 para mulheres) não observa o princípio da igualdade; (8) além disso, a emenda não foi acompanhada, formalmente, pelo impacto orçamentário-financeiro, o que também vicia a proposição; (9) o percentual de incorporação presente na primeira redação da proposta de alteração (5% ao ano) guardava simetria com a redação original da norma, sendo descabida a alteração realizada pelo Legislativo; (10) são de iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo as leis que disponham sobre servidores públicos e sua remuneração, de acordo com o disposto no art. 60, inciso II, alíneas ‘a’ e ‘b’, da Constituição Estadual; (11) uma vez que a emenda parlamentar não guardou afinidade com a lógica da proposição inicial, há, pois, vício de iniciativa, além de afronta ao princípio da independência dos Poderes, previsto nos arts. 5º, 8º e 10, da Constituição Estadual; (12) tendo sido modificado o § 1º do art. 47 da Lei Municipal nº 1.751/90, a essência de todo o projeto de lei foi desfigurada, considerando que os demais dispositivos alterados pela consequente Lei Municipal nº 4.405/2019 têm base diretamente na redação do art. 47.
Requereu, liminarmente, a suspensão dos efeitos da integralidade da Lei Municipal nº 4.405/2019, pois a emenda parlamentar viciou a aplicação imediata de todas as alterações provenientes da norma. Ao final, postulou a procedência da ação para que seja declarada inconstitucional a redação dada pela Lei Municipal nº 4.405/2019 ao § 1º do art. 47 da Lei Municipal nº 1.751/90, mantendo-se hígidas as demais disposições da lei atacada.
O pedido liminar foi deferido em parte (fls. 273-282).
Intimado, o Prefeito Municipal juntou aos autos documentação complementar (fl. 288; documentos de fls. 290-336).
O Procurador-Geral do Estado defendeu a manutenção da lei impugnada. Sustentou que a emenda parlamentar não implicou aumento de despesas, bem como guardou pertinência temática com o texto proposto pelo Poder Executivo Municipal, não tendo realizado alteração substancial da proposição, estando, por isso, de acordo com a orientação firmada pelo Supremo Tribunal Federal. Quanto à alegação de vício material, por violação à isonomia, argumentou que a incorporação prevista na norma, ao alterar a base de cálculo dos proventos, adquire conotação previdenciária, de modo que possível a diferenciação entre os gêneros, conforme autorização constitucional (fls. 356-364).
A Câmara Municipal de Vereadores de Itaqui manifestou-se pela constitucionalidade da norma municipal, reiterando os fundamentos manifestados pelo Procurador-Geral do Estado. Acrescentou que, por meio de auditoria realizada no Fundo de Aposentadoria e Pensão dos Servidores Municipais (FAPS), foi constatada a necessidade de alterações substanciais no Estatuto dos Servidores do Município, a fim de adequá-lo à situação econômica atual do Município. Apontou a insustentabilidade atuarial de alguns benefícios concedidos aos servidores. Concluiu, assim, que a emenda parlamentar objetivou reduzir o dispêndio imediato e futuro dos gastos com servidores municipais, tendo sido submetida ao Conselho do FAPS, que teria concordado com os seus termos. Por fim, destacou que, além de diminuir despesas, a emenda guarda pertinência temática com o projeto, cuja finalidade é reduzir os gastos com pessoal (fls. 370-376; documentos de fls. 378-406).
O Ministério Público opinou pela procedência do pedido (fls. 412-428).
É o relatório.
VOTOS
Des. Luiz Felipe Brasil Santos (RELATOR)
A presente ação direta de inconstitucionalidade refere-se ao § 1º do artigo 47 da Lei Municipal nº 1.751/1990, na redação dada pela Lei Municipal nº 4.405/2019, ambas do Município de Itaqui.
O Prefeito Municipal de Itaqui, visando ao equilíbrio atuarial e financeiro do Regime Próprio de Previdências Social (RPPS), apresentou ao Poder Legislativo o Projeto de Lei nº 012/2019 (fls. 44-47), propondo a modificação de diversas leis municipais, incluindo a Lei Municipal nº 1.751/1990, que dispõe sobre o Regime Jurídico Único dos Servidores Públicos daquela municipalidade.
Conforme a exposição de motivos apresentada junto ao projeto de lei (fls. 48-49), o Prefeito propôs as alterações legislativas objetivando alterar a forma de incorporação de vantagens na remuneração dos servidores, estabelecendo a incorporação ainda na atividade, de forma proporcional, com incidência de contribuição previdenciária sobre tal valor.
Ocorre que, durante o processo legislativo, no que se refere ao § 1º do art. 47 da Lei Municipal nº 1.751/1990, foi apresentada e aprovada emenda parlamentar individual (fls. 58-59), modificando a redação original da proposição.
Apesar de o Prefeito Municipal ter apresentado veto (fl. 64), foi promulgada a Lei Municipal nº 4.405/2019.
O proponente alega, então, que o § 1º do art. 47 da Lei Municipal nº 1.751/1990 apresenta vício formal de iniciativa, assim como vício material, vez que seu texto afrontaria também o princípio da isonomia.
O dispositivo combatido originalmente estava assim redigido:
Art. 47 - O valor da função gratificada será percebida cumulativamente com o vencimento do cargo de provimento efetivo.
§ 1º Na atividade, o servidor que contar com mais de cinco (5) anos consecutivos, ou dez (10) intercalados, ao perder a Função Gratificada, perceberá como Gratificação, mensalmente, um equivalente a 5% da média dos valores dos FGs recebidos por ano da atividade, enquanto não for convocado para nova Função Gratificada.
(...)
A redação proposta pelo Prefeito Municipal era a seguinte:
Art. 47 - O valor da função gratificada – FG, sobre o qual incidirá contribuição previdenciária ao FAPS, será recebido cumulativamente com a remuneração do cargo de provimento efetivo.
§1° Na atividade, o servidor que exercer uma Função Gratificada – FG, com a respectiva contribuição previdenciária sobre a mesma, ao perdê-la, permanecerá recebendo, a título de incorporação, acrescido à remuneração de seu cargo efetivo, o valor equivalente a 5% do valor da FG por ano completo de exercício ou o equivalente à proporção de 1/12 a cada mês de exercício completo, enquanto não for convocado para nova função Gratificada.
(...)
A emenda parlamentar modificativa resultou na aprovação do dispositivo nos seguintes termos:
Art. 47 - O valor da função gratificada – FG, sobre o qual incidirá contribuição previdenciária ao FAPS, será recebido cumulativamente com a remuneração do cargo de provimento efetivo.
§1° Na atividade, o servidor que exercer uma Função Gratificada – FG, com a respectiva contribuição previdenciária sobre a mesma, ao perdê-la, permanecerá recebendo, a título de incorporação, acrescido à remuneração de seu cargo efetivo, mensalmente, o equivalente a 1/35 (um trinta e cinco avos) para homens e 1/30 (um trinta avos) para mulheres, da média dos valores dos FGs recebidos por ano da atividade ou o equivalente a proporção de 1/12 a cada mês de exercício completo, enquanto não for Convocado para nova Função Gratificada.
(...)
Pois bem.
O dispositivo combatido disciplina a incorporação de função gratificada, ou seja, trata sobre a remuneração dos servidores públicos municipais, de modo que a iniciativa para apresentar projeto de lei a fim de alterá-lo compete ao Prefeito Municipal.
É o que se depreende dos arts. 60, II, alíneas ‘a’ e ‘b’, e 82, III, da Constituição Estadual, aplicáveis aos Municípios, por força do art. 8º, caput, da mesma Carta, in verbis:
Art. 8.º O Município, dotado de autonomia política, administrativa e financeira, reger-se-á por lei orgânica e pela legislação que adotar, observados os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição.
Art. 60. São de iniciativa privativa do Governador do Estado as leis que:
(...)
II - disponham sobre:
a) criação e aumento da remuneração de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta ou autárquica;
b) servidores públicos do Estado, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria de civis, e reforma ou transferência de militares para a inatividade;
Art. 82. Compete ao Governador, privativamente:
(...)
III - iniciar o processo legislativo, na forma e nos casos previstos nesta Constituição;
É certo que, nas hipóteses em que a iniciativa é privativa do Poder Executivo, as Constituições Federal e Estadual não rechaçam a participação do Legislativo, o qual, além aprovar ou rejeitar o texto legal, também pode apresentar emendas, desde que, respeitadas as limitações estabelecidas na Constituição da República, (1) guardem afinidade lógica (relação de pertinência) com a proposição original e (2) não importem aumento da despesa prevista no projeto de lei (art. 63, I, da CF/88 e art. 61, I, da CE/89 , aplicáveis aos Municípios por força do art. 8º da CE/89 ), como já decidiu o Pretório Excelso.
Porém, as emendas apresentadas pelo Legislativo obviamente não podem desfigurar o objeto da proposição original de iniciativa privativa, modificando substancialmente o seu conteúdo, sob pena de tornar letra a morta a norma constitucional que defere ao Prefeito a iniciativa legislativa sobre a matéria em questão.
Ilustram os seguintes julgados desta Corte:
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. PROCESSO LEGISLATIVO. EMENDA ADITIVA. ACRÉSCIMO DAS ALÍNEAS R,S,T,U,V,X,Y,Z AO ART. 4º DA LEI Nº 03/2010 DO MUNICÍPIO DE SÃO JERÔNIMO/RS. ALTERAÇÃO SUBSTANCIAL NO PROJETO DE LEI. INTERFERÊNCIA NO JUÍZO DE CONVENIÊNCIA E OPORTUNIDADE DA ADMINISTRAÇÃO. PROCEDIMENTOS E REGRAS QUE INVIABILIZAM A LICITAÇÃO E A CONCESSÃO DO SERVIÇO PÚBLICO DE TRANSPORTE COLETIVO DE PASSAGEIROS. Padece de vício formal de iniciativa a Emenda Parlamentar que altera substancialmente o projeto de lei de iniciativa exclusiva do Chefe do Executivo, interferindo no juízo de conveniência e oportunidade da Administração. AÇÃO PROCEDENTE. UNÂNIME. (Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº 70042509505, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Genaro José Baroni Borges, Julgado em 12/11/2012)
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI MUNICIPAL Nº 3.901/2019 DO MUNICÍPIO DE SAPUCAIA DO SUL. NORMA QUE REGULAMENTA O PAGAMENTO DE HONORÁRIOS DE SUCUMBÊNCIA AOS PROCURADORES E ADVOGADOS PÚBLICOS DO MUNICÍPIO. PROJETO DE LEI DE INICIATIVA DO PREFEITO. EMENDAS LEGISLATIVAS. MODIFICAÇÃO SUBSTANCIAL DA PROPOSIÇÃO LEGISLATIVA ORIGINAL. INGERÊNCIA NA ORGANIZAÇÃO E NO FUNCIONAMENTO DE ÓRGÃO DO EXECUTIVO MUNICIPAL. VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA SEPARAÇÃO DOS PODERES, DA IMPESSOALIDADE E DA MORALIDADE. PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E DESTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA. PROCESSO LEGISLATIVO. VÍCIO FORMAL. EXAME DE CONSTITUCIONALIDADE QUE DEPENDE DE PRÉVIA ANÁLISE DE ATOS NORMATIVOS INFRACONSTITUCIONAIS. IMPOSSIBILIDADE. 1. Projeto de lei apresentado pelo Prefeito Municipal destinado a regulamentar o pagamento de honorários sucumbenciais a procuradores do Município de Sapucaia do Sul. 2. O Prefeito, a partir de um juízo político que lhe cabe, entendeu que devem ser contemplados no rateio desses valores os servidores que, com amparo em lei formal, efetivamente atuam no exercício da atribuição de representar, em juízo, o Município: ou seja, os procuradores municipais efetivos, que se encontram na atividade, e os servidores comissionados com poderes de representação judicial e que estiverem devidamente inseridos no instrumento procuratório que lhes tenha sido outorgado. 3. No momento em que o legislador apresenta emenda à proposição original, para o fim de incluir no rateio da verba honorária procuradores públicos inativos, e excluir os servidores comissionados, deturpando, de modo evidente, a disciplina originalmente prevista, há clara e sensível incursão sobre o próprio mérito da decisão política tomada pelo Prefeito, que se materializou no texto do projeto de lei por ele apresentado. 4. Caracterizada, assim, ofensa aos arts. 8°, 10, 60, II, alíneas ‘a’, ‘b’ e art. 82, III, todos da CE/89, na medida em que as emendas apresentadas pelo Legislativo em projeto de lei de iniciativa privativa não podem desfigurar o objeto da proposição original, modificando substancialmente o seu conteúdo, sob pena de tornar letra morta a norma constitucional que atribui ao Prefeito a iniciativa legislativa acerca da matéria em questão. Precedentes do STF e desta E. Corte. (...) JULGARAM PROCEDENTE. UNÂNIME. (Ação Direta de Inconstitucionalidade, Nº 70080725708, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Felipe Brasil Santos, Julgado em: 27-05-2019)
Não é diferente a jurisprudência do Pretório Excelso:
PROJETO - INICIATIVA - EMENDAS - MODIFICAÇÃO SUBSTANCIAL. Surge a relevância da matéria veiculada e o risco de manter-se com plena eficácia o ato normativo questionado quando encerre alteração substancial, mediante emenda parlamentar, de projeto reservado a certa iniciativa. PROJETO - MINISTÉRIO PÚBLICO - EMENDA. Mostra-se relevante pedido de suspensão de eficácia de diploma legal quando notada modificação substancial do projeto inicialmente encaminhado pelo Procurador-Geral de Justiça, a implicar, até mesmo, aumento de despesa”. (STF. ADI 3946 MC, Relator (a): Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 12/09/2007, Dje-165 DIVULG 18- 12-2007 PUBLIC 19-12-2007 DJ 19-12-2007 PP-00014 EMENT VOL-02304-01 PP- 00064)
Veja-se que a questão relacionada aos critérios de incorporação de função gratificada pelos servidores públicos consubstancia matéria nitidamente afeta ao Poder Executivo.
Nesse cenário, entendeu o Prefeito Municipal que a incorporação deveria ser proporcional ao tempo de exercício da função gratificada, sendo dispensado o tempo mínimo, assim como deveria incidir contribuição previdenciária sobre o valor a ser incorporado na atividade.
Ocorre que não era objeto da proposição inicial a alteração do percentual concedido aos servidores a título de incorporação, tampouco a criação de diferenciação entre servidores e servidoras.
A atual redação do dispositivo, dada pela Lei Municipal nº 4.405/2019, após emenda parlamentar, além de reduzir o percentual a ser acrescido à remuneração dos servidores, prevê valores distintos para homens e mulheres, estabelecendo as seguintes razões: 1/35 e 1/30, respectivamente.
Ainda que se possa alegar que a redução da verba remuneratória empreendida pelo legislador se encontra em harmonia com o interesse do Executivo, tal afinidade lógica não persiste no ponto em que a emenda cria diferença no percentual de incorporação conforme o gênero do agente público.
Nesse cenário, a alteração promovida pelo Legislativo acaba por deturpar a disciplina originalmente prevista, em clara e sensível incursão sobre o próprio mérito da decisão política tomada pelo Prefeito Municipal, que se materializou no texto do projeto de lei por ele apresentado.
A emenda parlamentar, assim, acabou por modificar substancialmente o conteúdo da proposição legislativa originária, de autoria do Prefeito Municipal, redefinindo critério de concessão de verba remuneratória aos servidores públicos.
Por isso, reputo caracterizada a violação do princípio da separação dos Poderes, insculpido no art. 10 da Carta Estadual, consubstanciada, aqui, na usurpação da iniciativa do Chefe do Poder Executivo para apresentar projeto de lei que disponha sobre os servidores públicos do Executivo Municipal.
De outro lado, a alteração legislativa combatida, ao desigualar as frações de incorporação para homens (1/35) e mulheres (1/30), também incorre em vício material de inconstitucionalidade, porquanto afronta o princípio constitucional da isonomia, consagrado no art. 5º, caput, da Constituição Federal.
Quanto a esse ponto, converge o parecer de lavra da em. Procuradora-Geral de Justiça, em exercício, JACQUELINE FAGUNDES ROSENFELD.
Com efeito, como corolário do princípio da isonomia, no âmbito das relações de trabalho, a Constituição Federal veda a diferença de salário por motivo de sexo, que se estende, segundo estabelece o art. 39, § 3º, da mesma Carta, aos servidores públicos:
Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: (...)
XXX - proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil;
Art. 39. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão, no âmbito de sua competência, regime jurídico único e planos de carreira para os servidores da administração pública direta, das autarquias e das fundações públicas. (...)
§ 3º Aplica-se aos servidores ocupantes de cargo público o disposto no art. 7º, IV, VII, VIII, IX, XII, XIII, XV, XVI, XVII, XVIII, XIX, XX, XXII e XXX, podendo a lei estabelecer requisitos diferenciados de admissão quando a natureza do cargo o exigir. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
Garantia assegurada igualmente pela Constituição Estadual:
Art. 29. São direitos dos servidores públicos civis do Estado, além de outros previstos na Constituição Federal, nesta Constituição e nas leis: (...)
XIV - proibição de diferenças de remuneração, de exercício de funções e de critério de admissão, por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil;
Sobre o disposto no art. 7º, inciso XXX, da Constituição Federal, Estêvão Mallet e Marcos Fava1 lecionam:
Por meio do inciso XXX do artigo 7º, transpõe-se, para as relações de trabalho, a norma constitucional de isonomia, contida no artigo 5º, ‘caput’, segundo a qual todos são iguais perante a lei. Referido inciso soma-se aos seguintes, XXXI e XXXII, para configurar o núcleo proibitivo da discriminação no trabalho, garantido pela Carta Política de 1988.
(...)
Há, no inciso, tríplice ordenança, vedando-se a diferenciação injustificada, portanto, discriminatória, no que tange (a) aos salários, (b) ao exercício das funções e (c) aos critérios de admissão no emprego. A tutela inicia-se antes da contratação, na fixação de parâmetros objetivos, não subjetivos ou injustificados, para estabelecimento das normas de admissão, e prossegue no desenvolvimento da avença, tanto no que diz respeito à forma de execução dos serviços quanto à remuneração. O texto constitucional tem de ser lido de maneira ampla, de modo que sejam vedadas outras formas de discriminação, mesmo as não consideradas expressamente pelo legislador.
A diferença de percentual a ser concedido a título de incorporação da função gratificada acaba por repercutir na remuneração percebida pelos servidores e servidoras municipais, tendo como critério apenas o seu gênero, o que é expressamente vedado pela ordem constitucional.
Outrossim, não obstante a diferenciação tenha sido criada com base em regra previdenciária (fl. 59), configura-se injustificada.
É preciso observar que o prazo mais curto para aposentadoria da mulher, assegurado constitucionalmente, além de ter fundamentação própria, constitui-se diferenciação excepcional que não contradiz o princípio fundamental da igualdade. Tal benefício de natureza previdenciária, assim, por ser excepcional, não pode ser utilizado como motivo para criar nova exceção.
Sendo assim, não há dúvida de que é discriminatória a regra de incorporação de função gratificada que desiguala, em razão do sexo do servidor, a verba remuneratória a ser-lhe concedida.
Afigura-se, portanto, formal e materialmente inconstitucional a disposição questionada.
Do exposto, julgo procedente a presente ação direta de inconstitucionalidade, para declarar a inconstitucionalidade do § 1º do art. 47 da Lei Municipal nº 1.751/1990, na redação dada pela Lei Municipal nº 4.405/2019.
OS DEMAIS DESEMBARGADORES VOTARAM DE ACORDO COM O RELATOR.
DES. VOLTAIRE DE LIMA MORAES - Presidente - Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 70083005348, Comarca de Porto Alegre: "À UNANIMIDADE, JULGARAM PROCEDENTE A AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE."
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